Com acervo estabilizado após enchente, MARGS passa à etapa de restabelecimento das obras e criação de nova reserva técnica
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Após as operações de movimentação e salvamento de obras de arte durante a enchente de maio deste ano em Porto Alegre, no maior desastre natural da história do Estado, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul — MARGS, instituição da Secretaria de Estado da Cultura — Sedac, está agora consolidando o balanço sobre a situação do seu acervo e dando início às próximas ações.
Realizado ao longo dos trabalhos de estabilização das obras que se seguiram aos esforços preventivos e à força-tarefa de evacuação, o diagnóstico aponta que cerca de 4.000 itens, de mais de 700 artistas, foram de algum modo afetados durante a inundação, pelo alcance da água ou pelo prolongado efeito da umidade provocada no interior do prédio. A maior parte das obras é do segmento do acervo em papel (ao menos 300 fotografias, 1000 desenhos e 2400 gravuras), além de pinturas (cerca de 100), esculturas (cerca de 70) e técnicas mistas (cerca de 150).
Todas essas obras já foram estabilizadas durante a etapa inicial de recuperação, que começou ainda em maio, envolvendo processos de secagem e desumidificação. Desde então, vêm passando pela etapa de catalogação e reordenação após o salvamento e tratamento, seguindo-se a desinfecção e limpeza e, nos casos em que for necessário, processos de restabelecimento e restauração.
Foram identificados diferentes níveis de comprometimentos no conjunto, desde obras que tiveram algum tipo de perda até as que nada sofreram, relacionado aos tipos de materiais e ao grau de exposição. Isso em virtude da altura da inundação dentro do Museu e da extensão da ausência do controle de temperatura e umidade pela falta de energia elétrica e do sistema de climatização, no período em que a Praça da Alfândega esteve alagada. Favoreceu a proteção das obras sobre papel guardadas em mapotecas o procedimento que o MARGS já realizava de embalar cada uma individualmente, acondicionadas dentro de envelopes e pastas de papel neutro de conservação.
Neste momento, estão sendo elaborados os laudos técnicos e os próximos procedimentos. Diferentemente das consequências de um incêndio, obras afetadas por água ou umidade são passíveis de restabelecimento segundo técnicas de restauração. Desse modo, a partir dos processos de recuperação será possível ter melhor compreensão e dimensão do tipo de comprometimento e do procedimento de restauro, de acordo com a especificidade de cada caso, que envolve as características e particularidades das obras e seus materiais.
O MARGS está contatando artistas que tiveram peças afetadas e atendendo aos que consultam por meios oficiais sobre a situação de obras de sua autoria, recebendo-os no Museu.
Nos dias que se seguiram à enchente e com o térreo do Museu ainda inundado, foi iniciada uma operação relacionada ao protocolo de salvamento e recuperação de obras e documentação. Os trabalhos têm coordenação de Isis Fófano Gama, conservadora e restauradora do Departamento de Conservação e Memória do Patrimônio Cultural do Complexo do Palácio Piratini, com supervisão e atuação de Naida Corrêa, restauradora e conservadora que atuou por 24 anos no MARGS. A equipe é formada pelo corpo técnico do MARGS, do Palácio e de instituições da Sedac através do Departamento de Memória e Patrimônio (DMP), do Sistema Estadual de Museus (SEM) e do Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS). Os trabalhos envolvem ainda diversos especialistas e colaboradores, entre professores e alunos dos cursos de Conservação e Restauro de Bens Culturais Móveis (UFPel) e de Museologia (UFRGS), além de suporte e acompanhamento da UNESCO e da Associação para a Preservação do Patrimônio das Américas (APOYOnline).
O acervo se encontra acondicionado no interior do prédio, distribuído entre as reservas técnicas dos andares superiores e as salas e espaços expositivos adaptados provisoriamente para a finalidade de guarda, além dos laboratórios de restauração.
Com o objetivo de oferecer melhores condições de segurança e salvaguarda para a preservação das obras do acervo, uma nova e ampla reserva técnica está sendo projetada para os andares superiores do prédio, em substituição ao uso da antiga reserva localizada no térreo.
“Salvamos milhares de obras, incluindo aquelas consideradas entre as mais afamadas e lembradas. Mas, em termos de patrimônio, todas as obras de um acervo são igualmente importantes. A operação conduzida por especialistas nos garantiu agir prontamente com precisão e expertise nos métodos e procedimentos de salvamento e recuperação. Tudo já foi estabilizado e agora será restabelecido, com restauração nos casos em que for necessário ou, considerando especificidades de tipologia e características das obras em papel, com novas impressões”, diz o diretor-curador do MARGS, Francisco Dalcol.
“O MARGS é o nosso principal museu de arte, tendo seu acervo reconhecido como patrimônio de enorme relevância para a nossa história artística. O governo do Estado, por meio da Sedac, tem dado todo o suporte para a recuperação do museu e seu acervo, mobilizando recursos e estrutura com a urgência necessária. Nosso compromisso é restabelecer este bem da sociedade gaúcha, para que possa se perpetuar e projetar ao futuro”, afirma a Secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araujo.
Tendo o mais importante acervo de arte do RS, o MARGS conta com mais de 5.800 itens, desde a primeira metade do século XIX, abrangendo diferentes linguagens das artes visuais, incluindo ainda pintura, escultura, cerâmica, arte têxtil, objeto, instalação, arte digital, vídeo, filme e design. É composto por arte brasileira, com ênfase na produção de artistas gaúchos, e também por obras de artistas estrangeiros.
Desde maio, também está sendo recuperada a documentação administrativa e relacionada ao acervo atingida por água ou umidade. Os volumes foram congelados ainda em maio, conforme procedimento de salvamento para recuperação, e atualmente estão sendo estabilizados e tratados.
Inundação do térreo
A operação de salvaguarda de obras e patrimônio no MARGS envolveu a movimentação de milhares de peças e itens entre os dias 02 e 03.05, até a evacuação do prédio, no momento da inundação da Praça da Alfândega de Porto Alegre.
Inicialmente, as medidas preventivas levaram em conta o sistema de contenção contra enchente de Porto Alegre, considerando como parâmetro para inundação a cota de 6 metros na região do Cais Mauá. A enchente alagou o térreo por volta do nível de 4 metros do Guaíba, com a água vindo a atingir entre 1,70 metro e 2 metros de altura no interior do prédio.
A estrutura operacional no mesmo andar foi comprometida, envolvendo computadores, equipamentos, mobiliários, recursos e materiais de trabalho e exposições, além das instalações elétrica, hidráulica, de lógica, telefonia, PPCI, do sistemas de climatização e do circuito interno de câmeras. É o andar também do Bistrô do Museu (o restaurante com acesso externo). Além disso, no térreo havia uma das quatro reservas técnicas do acervo do MARGS, sendo esta a mais antiga e maior, localizada no interior do antigo espaço de guarda de valores da Delegacia Fiscal, que funcionou no edifício entre as décadas de 1910 a 70. As outras três reservas técnicas ocupam os andares superiores, tendo sido criadas posteriormente, em anos mais recentes, em um movimento que já ocorria de elevar dentro do prédio os espaços de armazenagem de obras. Ao final de 2022, o MARGS havia passado por reforma arquitetônica e ganhado pintura e novo sistema de climatização.
Neste momento, o Museu segue temporariamente fechado para o público, ainda sem previsão de reabertura para visitação, em razão dos trabalhos internos de reforma e restabelecimento da estrutura funcional e operacional do prédio. A médio e longo prazo, o MARGS passará por uma ampla reorganização interna de seus espaços, que envolve realocação das atividades e funções que ocorriam no térreo.
Todas as ações de recuperação estão sendo iniciadas com patrocínio de R$ 5,6 milhões do Banrisul, juntamente a recursos do orçamento da Sedac, doações recebidas pelo Museu e iniciativas da Associação de Amigos — AAMARGS. Os trabalhos envolvem diversas equipes e colaboradores, assim como parceiros e doadores. O MARGS também busca patrocinadores pela Lei de Incentivo à Cultura Federal (Lei Rouanet).