Reescrevendo a História
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Reescrevendo a História
A realização de pesquisa é o que fundamenta a exposição em um museu. A partir dela se criam narrativas, proferem-se discursos a partir das coleções e se apresenta uma versão.
Quem entra em uma sala de exposição espera encontrar fatos e informações que lhe despertem o interesse, promova alguma experiência e acrescente algo ao seu repertório pessoal.
Exposições não são neutras, são escolhas do(a) curador(a), e a simples posição de uma peça em relação a outra lhe confere significados que nem sempre são percebidos, mas sempre são intencionais.
Um novo capítulo sobre a mobília do quarto apresentado como sendo de Julio e Honorina Castilhos se inicia no Museu Julio de Castilhos (MJC), a partir de pesquisa realizada pela diretora e museóloga, Doris Couto, que, intrigada sobre informações contidas na ficha das peças, resolveu investigá-las.
Sobre a pesquisa
O ponto de partida foi a informação de que a mobília havia sido doada, em 1932, por Cecília Osório, viúva do Cel. Pedro Osório. Como poderia uma mobília que era acervo do museu ter ido parar em Pelotas e ser “doada” tanto tempo depois da morte do patrono da instituição?.
Somou-se a essa informação o relato da bisneta de Julio e Honorina, Sra. Ivone Brecher Ferreira, que disse que o pai, Sr. Mario, não ia ao museu “porque lá contavam mentiras sobre Julio de Castilhos, e que o quarto não era a mobília utilizada pelo casal”.
Restava, então, ir ao encontro da família do político republicano e charqueador, em Pelotas. Após alguns contatos na cidade, foi a bisneta de Osório, Vera Abuchaim – voluntária no Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas –, quem desfez o mistério, a partir da narrativa de outros membros da família. Os móveis compunham o quarto de hóspedes da casa de Maria Cecília e Cel. Pedro Osório e eram utilizados por Julio e Honorina em suas visitas à zona sul.
O casal Castilhos era padrinho de Alice Osório e mantinha uma relação de amizade com a família. Assim, após o falecimento do Cel. Osório, em 1931, a família ofertou a mobília ao museu, sendo que o registro de ingresso desse acervo, em abril de 1932, já se dá de forma confusa, apresentando-o como “pertencente ao Dr. Julio de Castilhos”.
Não se sabe, ainda, em que momento o quarto foi trazido a público e se criou a versão de leito de morte de Julio de Castilhos, mas o episódio sinaliza a grande responsabilidade que há ao se (re)produzir fatos históricos nas instituições de memória.
Nesse caso, sinaliza-se a intenção de que a mobília pudesse conter a aura do estadista, da sua agonia e sofrimento ao ser operado “naquela cama” pelo Dr. Protásio Alves, gerando comoção nos visitantes ao saber de sua morte precoce, aos 43 anos.
Diante da descoberta, a mobília se constitui, segundo o prof. Dr. Antônio Castelnou – da Universidade Federal do Paraná –, em “exemplares do móvel eclético da passagem do Século 19 para o 20, com uma forte inspiração francesa, mais especificamente no estilo Império (Style Empire), adaptado ao gosto local”; terá sua apresentação reformulada, passando de leito de morte de Julio de Castilhos para mobília da elite do charque pelotense e testemunho da relação entre as famílias Castilhos e Osório.
Essa versão pode não suscitar no visitante a mesma comoção que a primeira, mas apresentará a verdadeira história – isso é ético e fundamental para a credibilidade do museu, conclui Doris.